A Doutrina da Semente da Serpente e sua apropriação pela Ku Klux Klan no Contexto Protestante Norte-Americano

A Doutrina da Semente da Serpente e sua apropriação pela Ku Klux Klan no Contexto Protestante Norte-Americano
Livro "A segunda vinda da KKK: a Ku Klux Klan dos anos de 1920 e a política americana tradicional.

A Ku Klux Klan (KKK), organização supremacista branca, fundada em 1865 no período pós-Guerra Civil dos Estados Unidos, exerceu influência significativa em determinados segmentos do protestantismo norte-americano, especialmente entre as décadas de 1920 e 1960. Embora se apresentasse como defensora dos “valores cristãos”, a KKK desenvolveu uma teologia própria, marcada por distorções bíblicas e interpretações racistas.¹

Entre essas formulações estava a chamada “doutrina da semente da serpente” (serpent seed doctrine), um sistema interpretativo não ortodoxo que remonta a interpretações marginais do Gênesis². Segundo essa visão, o pecado original no Jardim do Éden não teria sido apenas a desobediência de comer o fruto proibido, mas envolveria um ato sexual entre Eva e a serpente (identificada com Satanás). Dessa suposta união teria surgido uma linhagem humana “corrupta” ou “impura”, associada, na ideologia da KKK, aos negros.³

Nessa construção, os afrodescendentes eram identificados como “filhos da serpente” ou “raça inferior”, enquanto os descendentes de Adão, interpretados como brancos europeus, eram vistos como “filhos legítimos de Deus” e, portanto, racialmente superiores. Tal leitura não possui respaldo na exegese cristã tradicional e contraria o entendimento histórico das principais denominações protestantes, que, reconhecem toda a humanidade como descendente de um único casal e igualmente portadora da imagem de Deus (cf. Gênesis 1:26-27; Atos 17:26).

Historicamente, a adoção dessa teologia pela KKK serviu como ferramenta de legitimação religiosa para sua agenda política de segregação racial, violência contra minorias e preservação da supremacia branca. Pesquisas acadêmicas demonstram que a mistura de fundamentalismo religioso e nacionalismo branco foi um elemento central para a mobilização da Klan, especialmente no chamado “Segundo Klan” (1915–1944).

A “doutrina da semente da serpente”, embora rejeitada pela teologia protestante histórica, continua a aparecer em certos grupos extremistas contemporâneos, revelando a persistência de leituras bíblicas distorcidas utilizadas como instrumento de exclusão e opressão racial. No campo acadêmico, é amplamente reconhecida como uma heresia teológica e uma manipulação ideológica da Escritura.

Referências

¹ Wade, Wyn Craig. The Fiery Cross: The Ku Klux Klan in America. New York: Oxford University Press, 1998.
² Barkun, Michael. Religion and the Racist Right: The Origins of the Christian Identity Movement. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1997.
³ Chalmers, David M. Hooded Americanism: The History of the Ku Klux Klan. Durham: Duke University Press, 1987.
MacLean, Nancy. Behind the Mask of Chivalry: The Making of the Second Ku Klux Klan. New York: Oxford University Press, 1994.
Baker, Kelly J. Gospel According to the Klan: The KKK's Appeal to Protestant America, 1915–1930. Lawrence: University Press of Kansas, 2011.
Lay, Shawn. The Invisible Empire in the West: Toward a New Historical Appraisal of the Ku Klux Klan of the 1920s. Urbana: University of Illinois Press, 1992.
Durham, Martin. White Rage: The Extreme Right and American Politics. London: Routledge, 2007.

Escrito por:
Wilson Rogério Will

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Jamie Larson
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