A Origem Gnóstica do‬ Dispensacionalismo

A Origem Gnóstica do‬ Dispensacionalismo
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William Branham foi um dos adeptos da doutrina dispensacionalista. Essa doutrina, cujo ensino se baseia em interpretações do que está escrito em Malaquias, capítulos 3 e 4, e Apocalipse, capítulos 2 e 3, traz o entendimento de que a história da humanidade ou da igreja está dividida em sete etapas. Em cada dispensação há uma revelação a ser alcançada somente pelos escolhidos. Além disso, na última etapa, seria o momento da tão aguardada Parusia, que, a depender da vertente, seria literal ou espiritual, mas com certeza secreta e para um grupo seleto.

Muito já se falou a respeito dessa doutrina e dos plágios realizados por Branham em vários sermões, principalmente nas eras da igreja e nos sete selos. Apesar disso, muitos cristãos e pastores da mensagem insistem em defender a doutrina como legítima, explicando o suposto encaixe do conteúdo das cartas das sete igrejas da Ásia em acontecimentos específicos da história geral. Mas será que o suposto encaixe na história seria o suficiente para tornar essa doutrina apostólica? Será que é prudente ignorar suas origens? Nesse texto, iremos analisar não apenas a origem, mas a linha do tempo até chegar em Branham.

Um Breve Resumo sobre o Gnosticismo

Das muitas religiões pagãs que havia no Império Romano, uma delas foi o Gnosticismo. A palavra gnosis vem do grego, que significa conhecimento ou ciência. O gnosticismo surgiu antes de Cristo, porém tomou grandes proporções no Império Romano, tornando-se uma das principais religiões pagãs dos primeiros séculos depois de Cristo. Consiste na mistura de mitologia grega (gnosis), egípcia (ocultismo), zoroastrismo persa (dualismo) e astrologia babilônica (estudo dos astros e adivinhações).

A crença básica dessa religião é o dualismo, ou seja, a existência de dois deuses, um representante de todo o bem e outro representante do mal. O deus que representa o mal é o deus criador da matéria e o representante do bem é o deus que, no princípio, se libertou da matéria e tem agora, como objetivo, a libertação dos seres humanos de todo jugo da criação. Os gnósticos acreditam que a matéria é algo totalmente desprezível.

Um outro aspecto do gnosticismo é a maneira como acontece essa “libertação”. Segundo a crença, o deus bom envia a uma pessoa ou a um grupo de pessoas um conhecimento oculto (gnosis) por trás da matéria (ocultismo) que dará ao indivíduo ou ao grupo o poder de manipular a natureza. À medida que esse conhecimento é encontrado, há uma evolução em gnose, ou seja, a pessoa vai transcendendo a matéria aos poucos, galgando cada degrau até chegar a uma libertação total. Os gnósticos acreditavam que era a busca por essa gnose oculta que os levaria a uma salvação, que consistia na libertação do jugo do deus mau. Na antiguidade, essa manipulação da natureza, com o objetivo de encontrar essa gnose, ocorria por meio de bruxaria e feitiçaria.

A Infiltração

Ainda no primeiro século d.C., a Igreja Cristã passou a enfrentar muitos heréticos que misturavam os princípios do evangelho com ideias de origem gnóstica. Esses “cristãos” gnósticos se apropriaram da linguagem cristã utilizada pela igreja para abordarem suas heresias e até para se identificarem como a verdadeira igreja. Por exemplo, o dom de profecia se tornou o dom de encontrar o conhecimento oculto e revelá-lo. A gnose se tornou a revelação. E o grupo detentor dessa gnose passou a se chamar os eleitos. Um exemplo de grupo “cristão” gnóstico que se utilizava desses termos foram os maniqueus, no século III.

Irineu de Lyon foi um dos grandes combatentes dessa mistura de crenças, defendendo a doutrina apostólica e a tradição da Igreja.

O Início do Dispensacionalismo: Montano e o Montanismo

O montanismo surgiu por volta do ano 156 d.C., sendo uma doutrina que levou o nome de seu originador: Montano. Este nasceu na Frígia, região centro-oeste da Ásia Menor, onde hoje é a Turquia.

Logo após se “converter” ao cristianismo, Montano começou um movimento à parte da igreja e dos bispos da época. Ele se dizia um profeta que recebeu de Deus a missão de restaurar os dons espirituais, principalmente o de profecia. Sendo assim, passou a ensinar que suas revelações vindas do Espírito Santo eram a Palavra de Deus para a igreja daquele século. Após reunir alguns fiéis, Montano se isolou da comunidade cristã e começou a afirmar que seu grupo era a verdadeira igreja. Ao passo disso, ele introduziu novas doutrinas e usos e costumes.

A nova doutrina se tratava de uma “revelação”, segundo ele, recebida pelo Espírito Santo, de que a história estava dividida em 3 eras. A primeira foi a era do Pai, momento em que Deus tratava somente com o povo de Israel. A segunda foi a era do Filho, em que o Verbo encarnado estava na terra. A terceira era se tratava do momento em que Montano recebeu a “revelação”, que ele chamou de Plenitude dos Tempos. O objetivo de Deus através do ministério profético de Montano seria preparar a igreja para a Parusia, que aconteceria somente através desse ministério. Aqui encontramos a ideia básica gnóstica de que, em cada estágio da história, faz-se necessário obter o conhecimento para a salvação. Dessa forma, Montano acreditava e ensinou que, se a igreja quisesse fazer parte da vinda de Cristo, teria que aceitar a revelação que ele teve. Esta era a gnose da era do Espírito Santo.

Em relação aos usos e costumes, assim como os gnósticos dos primeiros séculos, Montano proibiu qualquer tipo de relação sexual, inclusive entre pessoas casadas dentro da sua comunidade. Ele acreditava que uma abstinência total de todos os prazeres carnais e a crença em suas revelações eram o que traria o estabelecimento do milênio. Obviamente, a igreja do segundo século considerou anátema todos os ensinos de Montano.

Joaquim de Fiore: O Montanismo na Idade Média

Joaquim de Fiore foi um filósofo e teólogo, nascido em 1135 na Itália. O seu pensamento deu origem ao movimento chamado joaquimismo. Suas ideias são um "aprimoramento" dos ensinos de Montano.

Fiore primeiramente introduziu em seus ensinos a ideia gnóstica de que há significados ocultos nas Sagradas Escrituras que precisam ser desvelados. Partindo desse entendimento, ele também defendeu a heresia de que a história está dividida em 3 dispensações, sendo a era do Espírito Santo a última, onde aconteceria o milênio. Em seus estudos, ele explicou que na era do Espírito Santo aconteceria uma iluminação generalizada antes que o milênio se manifestasse. Essa iluminação consistia em um "batismo" geral de toda a humanidade com a revelação cristã. Dessa forma, não haveria a necessidade do clero ou mesmo da instituição Igreja Católica Apostólica Romana, já que todos chegariam a um aperfeiçoamento, não dependendo mais do Papa, bispos e das demais lideranças da igreja. Essa igualdade generalizada de revelação seria o conhecimento oculto a ser descoberto antes da Parusia, inclusive seria o que estaria detendo este acontecimento.

Fiore deixou muito claro que, para chegar a essa revelação generalizada, com intuito de alcançar o milênio, seria necessário que o Clero diminuísse seu poder de influência sobre os fiéis. Em outras palavras, Joaquim acreditava que a própria igreja estava "atrapalhando" a chegada do milênio. Em 1213, no quarto concílio de Latrão, após análise eclesiástica, os ensinos de Joaquim de Fiore foram anatemizados pela igreja.

Guilherme de Ockham: A Secularização do Milênio

Guilherme de Ockham nasceu em 1285, foi um frade franciscano, filósofo e teólogo escolástico inglês, considerado o príncipe do nominalismo. Ele continuou a crença de Joaquim de Fiore e, assim como este, também acreditava no advento da era do Espírito Santo e acrescentou pontos a essa heresia.

Para Ockham, sendo a igreja o que estava atrapalhando a introdução do milênio, o poder do monarca deveria estar acima do poder religioso. Dessa forma, ele partiu para um maior engajamento político e passou a criticar abertamente a influência das ações do Papa no poder monárquico. Foram de Guilherme de Ockham as primeiras noções de separação entre Igreja e Estado, do poder secular dominante em detrimento do poder religioso.

O objetivo de Ockham era expandir as liberdades individuais, com vistas ao derramamento generalizado do Espírito Santo. Essa era a gnose a ser alcançada antes do milênio. Sendo assim, por conta do seu engajamento político, essas ideias agradaram à monarquia inglesa de tal forma que criaram no imaginário das pessoas um grande sentimento anticlerical.

John Nelson Darby e o Seu Montanismo Moderno

Nascido em 1800, Darby foi um católico que se converteu ao protestantismo. Apesar disso, seguiu sua própria linha de pensamento e organizou um grupo de estudo chamado: os irmãos unidos de Plymouth. Foram nessas reuniões grupais que a doutrina dispensacionalista, como a conhecemos hoje, nasceu.

John Darby também seguiu a mentalidade ockhamita e a aplicou em sua congregação. Para ele, não deveria haver nenhum tipo de hierarquia clerical dentro da igreja, mas todos, membros e pastores, possuíam a mesma autoridade. Tanto que o membro comum poderia conduzir e consagrar os elementos da santa ceia e agir como um sacerdote, tal qual um pastor ou bispo. Ele acreditava na iluminação generalizada do Espírito Santo e que essas hierarquias atrapalhavam esse feito dentro da congregação. Darby também fez os acréscimos que tornaram o dispensacionalismo famoso entre os protestantes, deixando de ser uma simples linha de pensamento para se tornar um ponto doutrinário chave em muitas seitas protestantes.

A Evolução em Gnose, Segundo John Darby:

  1. A Era da Inocência: criação do homem até a queda;
  2. A Era da Consciência: queda do homem até o dilúvio;
  3. A Era do Governo Humano: dilúvio até a construção da torre de Babel;
  4. A Era da Promessa: de Abraão até a lei no monte Sinai;
  5. A Era da Lei: monte Sinai até Cristo;
  6. A Era da Graça: de Cristo até a Segunda Vinda;
  7. A Era do Milênio: Segunda Vinda de Cristo até o Milênio;
  8. A Era do Reino: Milênio até a eternidade.

Cyrus Ingerson Scofield e Sua Bíblia Dispensacionalista

Nasceu em 1843 nos EUA, foi advogado e escritor. Influenciado pelas heresias de Darby, Scofield traduziu uma bíblia de estudo que leva seu próprio nome. Nas notas de rodapé, ele introduziu a heresia dispensacionalista e fez seus próprios acréscimos. Foi ele o responsável por tornar essa heresia famosa entre os protestantes americanos a partir do século XIX em diante.

Scofield concebeu a evolução em gnose da mesma forma que John Darby, porém, retirou a oitava era, e partindo de uma interpretação gnóstica das cartas enviadas às igrejas da Ásia, em Apocalipse 2 e 3, ensinou que essas sete igrejas contêm o conhecimento oculto de que há sete períodos dentro da sexta era. Ele também ressaltou que os mensageiros de cada igreja representam mensageiros reais que foram enviados em cada dispensação.

A essa altura do artigo, não fica difícil de compreender que esses mensageiros seriam os responsáveis pela revelação da gnose correspondente a cada era, e que, não aceitando essa gnose, não haveria salvação.

A Evolução em Gnose, Segundo Cyrus Scofield:

  1. A Era da Inocência: criação do homem até a queda;
  2. A Era da Consciência: queda do homem até o dilúvio;
  3. A Era do Governo Humano: dilúvio até a construção da torre de Babel;
  4. A Era da Promessa: de Abraão até a lei no monte Sinai;
  5. A Era da Lei: monte Sinai até João Batista;
  6. A Era da Graça: de Cristo até a Segunda Vinda (período dos 7 estágios, representados nas 7 igrejas da Ásia);
  7. A Era do Milênio: Segunda Vinda de Cristo até o Milênio.

Charles Taze Russell: Montano, O Retorno

Nasceu nos EUA em 1852. Quando jovem, abandonou a igreja Adventista e também, assim como Darby, criou um grupo de estudos bíblicos que deu origem aos chamados Testemunhas de Jeová.

Charles defendeu a ideia de que as dispensações consistiam apenas em sete e estavam completamente representadas nas sete igrejas da Ásia. Ele também afirmou que seu ministério cumpria as escrituras de Malaquias 3 e 4, determinando que sua revelação, hoje defendida pelos testemunhas de Jeová, era a plenitude dos tempos. Russell acreditava em um milênio espiritual, e que para fazer parte deste, seria necessário deixar as demais igrejas e se associar ao seu grupo. Assim como Scofield sugeriu, Charles indicou mensageiros para cada dispensação. Tudo feito, obviamente, por revelação. Ele também se colocou como último mensageiro, tendo em vista que o milênio teria se iniciado de forma espiritual a partir do momento em que ele recebeu a revelação.

A Evolução em Gnose, Segundo Charles Russell:

  1. Éfeso: Paulo
  2. Esmirna: João;
  3. Pérgamo: Ário;
  4. Tiatira: Peter Waldo;
  5. Sardes: John Wycliffe;
  6. Filadélfia: Martin Lutero;
  7. Laodicéia: Charles Russell.

Conclusão

Assim como Charles Russell, muitos outros dispensacionalistas, como Joseph Smith, Ellen White, Clarence Larkin e o próprio William Branham, trouxeram sua própria versão de como seria a evolução em gnose ao longo dos séculos e culminaria no milênio. Todos eles afirmaram que só haveria salvação para o grupo que receberia a gnose em cada dispensação. Falando da última era, esses dispensacionalistas ou suas mensagens reveladoras são a gnose a ser alcançada por um grupo seleto de pessoas, sem a qual não haverá arrebatamento ou entrada no milênio.

A crença de que existe uma revelação ou conhecimento oculto que nem todos podem obter, somente um determinado grupo, e que alcançando-o isso os levaria à salvação ou plenitude é, por assim dizer, gnosticismo e não cristianismo. Todo dispensacionalista irá ensinar que, para ser salvo, você necessita receber sua mensagem, pregação ou revelações. Porém, no cristianismo de dois mil anos, a salvação consiste na Pessoa do Filho de Deus e somente Nele. Ele é a plenitude dos tempos. (Gálatas 4:4).

“Os que não querem ser vencidos pela verdade serão vencidos pela mentira.” — Agostinho de Hipona


Referências:
  • O Mínimo sobre ocultismo - Alexandre Costa
  • Uma Breve História das Antigas Heresias - Rafael Brodbeck
  • História das Heresias e Suas Refutações - Santo Afonso de Ligório
  • Por amor de Sião - Paul Richard
  • Bíblia de Estudo Scofield (Livro do Apocalipse)
  • Martinho Lutero: sua jornada para a reforma - Martin Brecht
  • Site Oficial dos Testemunhas de Jeová

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Jamie Larson
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